Crónica de um Bicho Feio – ANGELA SANTANA
Para a segurança do argumento, acho que prefiro tratar desta temática por a nomenclatura acima mencionada. Não é por falta de conhecimento da realidade, nem tão pouco por preguiça. Talvez cansaço. Porque as palavras carregam peso. Moem. Quer estejamos a considerar os nossos lábios ao pronunciá-las, dos nossos olhos ao lê-las ou até da nossa mente por as processar. Peço então que me deixem “ficar” com este bicho, de modo a que a canseira não chegue tão cedo.
Pois bem… quando toda esta batalha se iniciou noutra parte do Mundo, admito que pertenci ao grupo dos céticos. Aos primeiros rumores que o bicho feio que andava à solta num local tão longínquo no nosso imaginário, como uma pequena cidade na China, de onde imagens e mais imagens nos chegavam de ruas completamente desertas, a verdadeira “cidade fantasma”, não me passava tudo de uma ideia. Um momento na história que seria recordado sem dúvida, mas nunca numa grande escala. Um segmento longínquo e que muito provavelmente não teria nada a ver com o resto do Mundo. Se estivermos a falar do caso do nosso País, na maioria das vezes estamos num cantinho tão abençoado, onde parece que passamos ao lado de tudo. Gripe das Aves, Gripe A. Vimos, preparámos tudo e aguardámos que a avalanche chegasse, de de uma maneira ou de outra, acabámos sempre por escapar ao pior.
Desta vez, não houve escapatória possível.
Os primeiros casos foram um choque. Uma realidade especial, e inicialmente apenas figurativa do que se passava além fronteiras. O bicho feio não escolhia idades, e muito menos extrato social, olhasse para onde se olhasse. Reuniram-se medidas que todos vimos escarrapachadas por tudo o quanto era canto. Ainda se insistem nas mesmas, porque quem conta um conto, acrescenta sempre um ponto. Lavagem das mãos. Uso da máscara. Criou-se moda nesta última, porque tudo o que seja necessário para tornar este “novo normal” mais fácil, é sempre bem vindo. O bicho assim obriga.
Este chegara. As longas filas de todos os feitios. A solidão auto imposta de termos os que mais amamos um pouco mais longe do que a distância do nosso braço. É um cenário bastante cinematográfico, não estivesse isto tudo a decorrer na nossa vida. A vida real. Mas ao invés da hora e meia de filmes, faz agora quase um ano que esta saga começou. Quando terminará? Não existem grandes perspetivas. O que podemos tirar disto tudo? Também ainda está para se ver. Como é que dá para ir em frente?
Um dia de cada vez suponho. O que hoje é verdade, amanhã pode já não ser tanto assim. Mas numa altura em que as pessoas parecem que perderam a fé na humanidade, resta a paciência. Uma boa lembrança quando estamos mais tristes. Um sorriso com o olhar, quando temos a boca tapada. Uma gargalhada. Resta apenas seguir em frente, porque não fomos feitos para parar.
Quem sabe quando é que isto terminará?
Teremos que apenas que esperar pelo melhor enquanto nos preparamos para o pior.
Angela Santana, Técnica de Cardiopneumologia no Centro Médico da Misericórdia de Rio Maior